segunda-feira, 26 de março de 2012

Depois de Toulouse

Eric Maurice

O drama em três atos chocou a Europa. Primeiro, o assassínio de três soldados de origem norte-africana em Toulouse e em Montauban, no sudoeste da França, sem que houvesse a certeza de haver uma ligação entre essas intervenções. Em seguida, o homicídio de três crianças e um adulto numa escola judaica em Toulouse, e o medo que causou à população a existência de um "lobo solitário", possivelmente um neonazi. Por último, o longo cerco à casa do principal suspeito e a revelação de que se tratava de um islamita de 23 anos, autor de pequenos delitos, transformado em fanático e assassino.

O percurso assassino de Mohamed Merah teve mais eco porque combina elementos inerentes às sociedades modernas: o fascínio pelos assassinos em série, o velho espetro do antissemitismo e o novo fantasma da islamofobia, a cobertura mediática de casos banais, a vontade de controlar a sociedade para evitar atos de terror, a busca de referências comuns entre as populações de origem e as provenientes das imigrações do último meio século, e, claro, em plena campanha presidencial francesa, o uso político deste tipo de acontecimentos.

É a esta luz que se tem de observar, a curto prazo, a maneira como vai prosseguir a campanha eleitoral em França e, a longo prazo, que medidas vão ser adotadas. Para já, a esquerda acusa os serviços secretos de não terem sido capazes de travar Merah e o Presidente Nicolas Sarkozy propõe a criminalização de consultas a sites extremistas.

Tal como o diário Le Monde, geralmente comedido, os responsáveis políticos parecem considerar que a loucura assassina de Merah levanta a questão da ameaça terrorista, especialmente a proveniente da Al-Qaeda. No entanto, nada prova ainda que o jovem de Toulouse, apesar das suas viagens ao Afeganistão e ao Paquistão, fizesse parte de uma célula terrorista organizada. O seu percurso parece demonstrar sobretudo a persistência de uma franja radicalizada de jovens muçulmanos nascidos na Europa, mas em rutura com a sociedade europeia, que passam aos atos por razões aleatórias, logo, difíceis de prever com precisão.

Mais uma vez se coloca, pois, a questão sobre aquilo a que os britânicos, após os atentados de 2005 em Londres, chamaram "home grown terrorists”, terroristas nascidos entre nós. E sobre os meios para combater atos terroristas alimentados por cidadãos que, por vezes, não se enquadram nos círculos terroristas tradicionais.

A primeira questão requer um debate aberto, tolerante mas franco, sobre a forma como as sociedades europeias se devem comportar perante uma religião, o Islão, que tem perfeitamente lugar na Europa, ao mesmo tempo que repudiam comportamentos extremistas, que alimentam a desconfiança e o ódio.

Mas esse debate deve incluir o reconhecimento das desigualdades por que passam muitos descendentes de imigrantes (logo, cidadãos europeus), na escola e no acesso ao mundo do trabalho. Deve incluir também a compreensão de como lutar contra o racismo e a violência de extrema-direita. Os valores europeus impõem que tenhamos o mesmo nível de intransigência contra aquilo a que La Stampa chama “pesadelos opostos" [fanatismo islâmico e neonazismo].

A segunda questão exige vigilância e coerência em termos de liberdades individuais. Vigilância, porque o controlo das comunicações e da navegação na Internet não é hoje mais aceitável do que a seguir ao 11 de setembro. Coerência, porque não podemos com uma mão defender as liberdades individuais e com a outra exigir a omnipotência dos serviços secretos.

O debate sobre a proteção de dados pessoais há anos que tem vindo a ser travado em alguns Estados, a nível da justiça, da Comissão Europeia, do Parlamento Europeu, dos utilizadores de Internet e das organizações de defesa dos direitos humanos. Não deve ser interrompido por uma indefinida, mas real, ameaça terrorista.

http://www.presseurop.eu/pt/content/editorial/1679901-depois-de-toulouse

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